
Nós, ciganos, temos uma só religião: a da liberdade. Em troca desta renunciamos à riqueza, ao poder, à ciência e à glória. Vivemos cada dia como se fosse o último. Quando se morre, deixa-se tudo: quer seja um miserável carroção ou um grande império. E nós cremos que nesse momento é muito melhor ser cigano do que rei. Nós não pensamos na morte. Não a tememos...eis tudo.
O nosso segredo está no gozar em cada dia as pequenas coisas que a vida nos oferecee que os outros homens não sabem apreciar: uma manhã de sol, um banho na torrente, o contemplar de alguém que se ama.
É difícil compreender estas coisas, eu sei. Nasce-se cigano. Agrada-nos caminhar sob as estrelas. Contam-se estranhas histórias sobre os ciganos. Diz-se que lemos nas estrelas e que possuímos o filtro do amor. As pessoas não acreditam nas coisas que não sabem explicar. Nós, pelo contrário, não procuramos explicar as coisas em que acreditamos. A nossa vida é uma vida simples, primitiva, basta-nos ter por tecto o céu, um fogo para nos aquecer e as nossas canções quando estamos tristes.
Vittorio Mayer Pasqualle Spatzo, Poeta cigano, in Raiz e Utopia , nº 3.4 , 1977